Saúde Mental nas organizações passa por relações de confiança
Desde 1992 celebra-se, no dia 10 de outubro, o Dia Mundial da Saúde Mental. Neste ano, após o longo período de pandemia e na expectativa do “novo normal” e a retomada da economia, a Saúde Mental está na ordem do dia e cada vez mais organizações criam programas de prevenção e tratamento para seus colaboradores.
Esta reação tem fortes motivos. A concessão de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez devido a transtornos mentais bateu recorde em 2020, somando 576,6 mil afastamentos, segundo a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho — 26% a mais que em 2019.
Os afastamentos por depressão e ansiedade, entre outros transtornos, tiveram a maior alta entre as principais causas de pedidos de auxílio-doença, com 285,2 mil no total, aumento de 33,7% em relação ao ano anterior e o maior já registrado desde 2006.
Mas o adoecimento mental não impacta somente na produtividade ou no resultado da empresa. As consequências na vida pessoal do colaborador, que podem levar a problemas familiares e pessoais graves, também afetam o clima organizacional e o coletivo.
Para Fátima Macedo, CEO da Mental Clean, a principal estratégia quando uma empresa decide implantar um programa de Saúde Mental é a normalização deste conceito. “O adoecimento vem de um processo em que se esgotam os recursos para lidar com as frustrações e tristezas do dia a dia, e tem muito a ver com a dificuldade das pessoas de falar e de compartilhar a dor”, explica.
“Quando o colaborador fala de algo muito difícil que está vivendo e se sente acolhido, com palavras de apoio, carinho, interesse, a dor deixa de ser tão condensada, mas as pessoas têm dificuldade ainda de fazer isso, por causa do preconceito”, ressalta Fátima.
Mesmo em um ambiente de trabalho receptivo e voltado para esta questão, que desenvolve estratégias de conscientização como lives, ebooks e disponibilizam atendimento especializado, ainda assim é preciso sensibilizar também o colaborador para falar e se informar sobre Saúde Mental.
“É como se o ambiente de trabalho ainda fosse blindado, as pessoas sentem que precisam usar uma máscara social dentro desse espaço, não querem que suas vulnerabilidades se tornem conhecidas, temem interferir na própria imagem, perder oportunidades”, diz Fátima Macedo.
Para a CEO da Mental Clean, “normalizar a questão da Saúde Mental seria, então, como dizer para as pessoas que está tudo bem falar sobre esse tema, assim como expor vulnerabilidades, contar sua história, porque isso é humano”, enfatiza a especialista.
Burnout, mudanças de humor, tristeza, ansiedade, apatia, culpa, descontentamento geral, desesperança, perda de interesse, choro excessivo, irritabilidade e isolamento social são alguns sintomas que podem ter como gatilho as condições e o ambiente de trabalho. Mas falar sobre Saúde Mental, suas causas e consequências ainda é um tabu em nossa sociedade. Por preconceito, medo ou mesmo falta de informação, 70% das pessoas que sofrem de algum transtorno não procuram ajuda.
O medo da exposição leva a outro pilar necessário para a implantação de uma política de Saúde Mental nas organizações, a segurança psicológica. “A construção de relações de confiança entre colaboradores e empresa é uma via de mão dupla. Por um lado, precisamos mapear se o medo de ser demitido, descartado ou de não ter sua dor validada faz sentido, ou se é um medo atávico, visceral, pessoal”, diz Fátima.
As lideranças têm papel fundamental nesse processo, como responsáveis por abrir e construir uma relação de confiança, bem como por fortalecer o espaço de escuta e de fala. “Por outro lado, o colaborador precisa buscar seu tratamento, entender que deve ser o protagonista desse processo”, argumenta a CEO da Mental Clean.
“Não basta a liderança dizer que está ali, que o colaborador não está sozinho; o outro lado tem que romper a barreira e entender que isso é genuíno e se permitir usar esse espaço”. Sem essa disposição, as pessoas acabam buscando ajuda só quando já estão muito adoecidas, em momentos mais graves e com tratamento mais complexo.
“A escuta tem um impacto enorme na vida daquele ser humano. A gente transforma vidas. Não é só uma conversa”, conclui Fátima Macedo
No Brasil, apenas 18% das empresas oferecem algum programa com foco na Saúde Mental do colaborador, segundo a International Stress Management Association (Isma-Br). Isso significa que o espaço para virar essa chave e começar uma verdadeira revolução na Saúde Mental é amplo.
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