Como enfrentar o luto no ambiente de trabalho?

Estamos vivenciando tempos extremamente difíceis, em que a pandemia da Covid-19 trouxe uma nova forma de lidarmos com o luto.

Ante as centenas de milhares de vidas que se foram abruptamente, encontram-se familiares, amigos, colegas de trabalho de cada um de nós.

Dificilmente, neste momento, haja alguém que, desde o início da pandemia, não tenha sofrido a perda de alguém próximo pelo Coronavírus.

Somente no Brasil foram mais de 530 mil mortes por Covid, para as quais não houve tempo de despedidas, não foram permitidos os rituais do luto, o que propicia elaborar o simbolismo da perda.

A morte é algo para o qual não nos preparamos, como bem define a frase célebre do escritor Nicholas Sparks: “mesmo sabendo que um dia a vida acaba, a gente nunca está preparado para perder alguém”.

Nos preparamos para o curso ‘natural’ da vida como estudar, planejar uma carreira profissional, relacionamentos, e, nesse planejamento de coisas das quais ‘supostamente’ temos o controle, jamais encontraríamos espaço para pensar em morte.

Tão importante quanto vivenciar, é falar sobre o luto. Mas, quais os protocolos para se tocar em um assunto tão sensível, quando quem está vivenciando essa situação é um amigo ou um colega de trabalho?

“Falar sobre o tema é algo sempre delicado, pois existe a preocupação em quem está abordando de deixar o outro triste ou constrangido e também o medo de se perder o controle sobre um sentimento tão forte”, explica Gonzalo Jimenez, Psicólogo e especialista em Luto da Mental Clean.

Nesse contexto, as empresas também sentem os impactos do luto. A perda de uma única pessoa afeta todo o time, deixando um vazio e um rastro de sofrimento emocional entre os colegas que precisam ser processados.

É importante que as lideranças atuem como facilitadoras no apoio e acolhimento aos colaboradores que estejam passando por situações de luto, promovendo condições necessárias para que esse momento de dor seja elaborado com mais equilíbrio e suporte emocional.

Nesta entrevista, o especialista em Luto da Mental Clean, Gonzalo Jimenez, nos ajuda a entender como a pandemia tem mudado a nossa relação com o luto e explica também como lidar com essa questão tão sensível no ambiente de trabalho.

Confira a seguir:

Por que falar sobre o luto é um tabu?

Geralmente a perda é sentida de forma muito individual, há pessoas que pensam na falibilidade da vida e outras não gostam de pensar que a vida tem um fim. A perda de alguém é encarado de forma muito particular por dois motivos: o vínculo que temos com quem partiu e como entendemos a morte. Falar sobre o tema é algo sempre delicado, pois existe a preocupação em quem está abordando de deixar o outro triste ou constrangido e também o medo de se perder o controle sobre um sentimento tão forte como o luto. Algumas pessoas simplesmente não gostam de falar sobre o desconhecido ou daquilo que não dominam.

O que a pandemia tem nos ensinado sobre o luto?

Normalmente cada pessoa que perde alguém querido tem seu tempo e procura fazer com que haja uma espécie de despedida ou ritual, mesmo que de forma individual. Infelizmente, a pandemia trouxe uma maneira mais crua e seca de lidarmos com a perda. Não são raros os casos em que pessoas estavam saudáveis e em questão de dias vão a óbito e seus parentes são obrigados a realizar um funeral a distância e de forma rápida, não havendo sequer tempo para compreender o real impacto dessa situação. Estamos mais vulneráveis e ficamos mais sensíveis frente à dor que muitas vezes é enfrentada de forma inesperada.

Como lidar com o luto no ambiente de trabalho, principalmente neste momento de pandemia?

Não há uma resposta simples para esta questão. Haverá momentos mais leves e outros mais sensíveis e essas variações são sentidas tanto no grupo, como individualmente. Ignorar a perda é sem dúvida a pior escolha.

Inicialmente o adequado seria reunir a equipe, mesmo que de forma remota e procurar falar sobre o tema de um jeito mais aberto possível. Mesmo que alguns prefiram apenas ouvir, permitir que haja essa troca e interação ajuda a ter uma cumplicidade na dor junto aos colegas e, de certa forma, despedir-se dos que partiram.

Já os que gostam de se expressar têm uma oportunidade de falar em voz alta dos seus sentimentos, bem como sobre as histórias e características vividas com quem partiu. É como se pudesse expressar ao mundo sua dor e compartilhar com os outros o sentimento por trás dessa perda. Essa oportunidade é, por si só, bastante libertadora.

Esse tipo de situação exige dos gestores uma certa habilidade e treino para que possa ser conduzida. Por isso, em alguns casos, o líder opta por não falar sobre o assunto, por temer que os sentimentos dos membros da equipe sejam tão intensos, ao ponto de as pessoas começarem a chorar e não parar, e ele se sentir perdido e inseguro na condução da dinâmica.

Como abordar um colega de trabalho que acaba de perder um ente querido?

Procure refletir sobre o quanto está preparado para falar e ouvir sobre o tema com o colega, isso é fundamental para iniciar uma conversa nesse sentido. Procure ouvir mais, compreender que a pessoa que sofre poderá falar e repetir a mesma história, pois esta é a forma que ela consegue se organizar internamente. Lembrar sempre que o luto desperta sentimentos que nos desorganiza internamente e precisamos de uma forma de reorganização interna, a fala é uma forma de organizar e tentar nomear esses sentimentos.

Há momentos em que nem é necessário o uso de palavras. Lembro-me de uma ocasião, em que eu estava no velório da mãe de um colaborador, quando um dos colegas se aproximou dele, olhou em seus olhos e apenas colocou a mão em seus ombros. Não disse uma palavra sequer, mas o simples gesto de demonstrar que ele estava lá já foi o bastante para marcar essa pessoa.

O luto de apenas um colaborador pode afetar todo o time?

Com toda certeza. Não é uma questão de número, mas do que representa, além do óbvio vínculo que aquele colaborador tem com a equipe. Ele era parte do time e agora partiu… isso deixa um vazio, uma lacuna. Algo que é muito difícil de enxergar, mas visível a todos.

Como a liderança pode atuar em uma situação de luto?

O líder pode ser um facilitador em muitos aspectos. Reunir a equipe, ser um porta voz dos sentimentos que o grupo sente, mas tem dificuldade de expressar, ter o cuidado e a sensibilidade de notar quem está mais vulnerável diante da perda e ainda não deixar que o luto se torne o todo, ou seja, buscar respeitar a dor dos colegas sem que a situação saia do controle. É importante ainda que ele tenha a sensibilidade de perceber que pode haver uma leve queda no rendimento da equipe por um determinado tempo o que é perfeitamente compreensível.

O que dizer e o que não é legal dizer a alguém que esteja vivenciando o luto?

Sempre há falas e atitudes que podem ser evitadas:

  • Fazer piada nessas horas é algo totalmente dispensável. Há momentos em uma roda de conversa sobre o luto em que é possível recordar histórias divertidas sobre quem partiu, nas quais as pessoas se permitem rir um pouco, esta situação é totalmente saudável, mas há um contexto para isso.
  • Não é legal pedir para as pessoas esquecerem o assunto, pois cada um tem a sua forma de lidar com o luto e é preciso respeitar as opções individuais.
  • Eviite falar sobre religião, pois em um primeiro momento pode parecer que é algo que acalma, mas nós não sabemos sobre as crenças alheias ou o que pode parecer ofensivo para o outro.
  • Não faça comparações de sentimentos: “você está assim porque não sabe o que é perder…pior fui eu que…”. Há uma sutil inserção de uma culpa nesse tipo de abordagem. É como se a pessoa não tivesse o direito de sentir o que sente pois o outro já passou por perda ‘maior’.

Dizer como se sente é sempre uma boa estratégia! Poder saber que alguém tem sentimentos parecidos com o seu faz com que tenhamos a percepção de que não estamos sozinhos.

É reconfortante poder dividir a dor, há algo que une as pessoas no luto, pois todos sentem a perda, mesmo que de forma diferente.

E assim temos a sensação de pertencimento, algo que nos conecta, que nos faz humanos.