Por uma maternidade real no Maio Furta-Cor

A maternidade é uma trilha muito especial na vida da mulher, composta por uma série de experiências inesquecíveis e complexas, que a transformam definitivamente, existindo um claro divisor de águas: quem a mulher era antes e depois de ser mãe. O fato incontestável é que a mudança é a palavra de ordem, se não sinônimo dessa incrível vivência.  

O início deste período é marcado pela vulnerabilidade a medida em que a mulher se torna genitora e transmuta a sua identidade para acolher essa nova parte de sua vida. Em seu entorno há ainda muitas alterações, e ao contrário do que se romantiza, a realidade atual é diversa e permeada por uma série de adversidades e abusos em inúmeras instâncias. 

Com excesso de responsabilidades, estresse, sentimento de culpa por sentir cansaço, angústia e dúvidas, somado à falta de apoio emocional, esse momento se torna um desafio para a saúde mental da mulher, pois há uma série de checklists do que uma mãe deve ou não ser e é preciso aprender a dar conta de uma nova carga mental, emocional e operacional.  

O modelo mental e real em que a maternidade é inserida, é muitas vezes marcado pela solidão, por violências psicológicas e patrimoniais, dentro da realidade íntima e social. Mulheres que se tornam mães, são sobrecarregadas de tarefas mentais e domésticas e muitas vezes, ainda excluídas do mercado de trabalho.  

Sobre as mulheres, inclusive, é depositado o pesado fardo do sacrifício e a obrigação de uma dedicação desumana. As marcas do que se vive na maternidade são memoráveis e passam a constituir um novo tipo de ser e agir em sua realidade e em seu universo.  

Principalmente após 2020, assistimos a um alarmante crescimento dos casos de transtornos de saúde mental na etapa perinatal, depressão, transtorno de ansiedade e suicídio entre as mães que enfrentam inúmeros desafios diários no ambiente de trabalho e em casa, sem contar as consequências para os filhos e para os demais integrantes da família. 

Em 2023 Giliane Belarmino, pesquisadora e pós-doutora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), realizou um levantamento sobre a saúde mental materna no Brasil por meio da plataforma De Mãe para Mãe, evidenciando que 66% das mães classificam a própria saúde mental como péssima, ruim ou regular. 

Cerca de 97% das entrevistadas relatam o sentimento de sobrecarga com frequência de cinco a todos os dias no mês e o de esgotamento por 94%. O percentual dessas mulheres que se sentem insatisfeitas ou tristes em algum nível durante o mês foi de 91% e 75% das mulheres diz que possui um comportamento explosivo e sente culpa depois.  

E o que fazer diante dessa realidade? Acontece em todo o Brasil e em outros 17 países, a Campanha Maio Furta-cor, um movimento democrático, apartidário e sem fins lucrativos, que visa conscientizar, sensibilizar e incentivar toda a sociedade a desenvolver ações conjuntas para cuidar, fortalecer e promover a saúde mental materna. 

E por que esse nome? Tal qual, no espectro da maternidade cabem todas as “cores” e sentimentos, pois trata-se de um período de grandes variações hormonais, mudanças e novas adaptações na vida da mulher, o furta-cor foi escolhido como símbolo dessa campanha, pois sua tonalidade se altera de acordo com a luz que recebe, não tendo uma cor absoluta.  

Para somar forças a essas ações, de 29 de abril a 03 de maio de 2024, acontece o Fórum Mundial de Saúde Mental Materna, promovido pela entidade Postpartum Support International (PSI), que possui cerca de 7.000 apoiadores e membros em todo o planeta, incluindo profissionais de saúde e saúde mental, pesquisadores e estudantes, mais de 12.000 participantes de eventos e 50.000 seguidores nas redes sociais. 

A PSI oferece programas de apoio para famílias em todo o mundo, pois acredita que a saúde mental perinatal é universal e todas as mães, pais e familiares podem ter acesso à ajuda que necessitam, recursos, políticas de apoio e prevenção, assim como o conhecimento e tratamento especializado. 

A saúde mental materna é uma questão que precisa ser discutida de forma abrangente, sendo essencial aumentar a conscientização de que os transtornos de humor perinatais, são a complicação mais comum da gestação, parto e puerpério e assim, fornecer políticas públicas e programas para auxiliar essas mulheres, bem como seus familiares.  

É necessário, portanto, oferecer apoio estruturado para mães adotivas e biológicas, pais, parceiros, pais gays e trans, famílias e em casos de psicose pós-parto, perda e luto na gravidez e pós-parto e ainda, tratamento psiquiátrico intensivo perinatal. 

Para mudar esse triste cenário, há ainda muito trabalho que é imprescindível ser realizado com as mães, que precisam aprender a dizer não e compartilharem igualmente com os pais, a responsabilidade de criar, cuidar do machucado e da febre, ensinar, educar, fazer dormir, alimentar, brincar e acolher. 

É fundamental que haja o fortalecimento do movimento da maternidade real, que permite que as mães falem abertamente sobre as dificuldades para cuidarem de seus filhos e a necessidade de uma rede de apoio e da participação dos pais nas tarefas diárias.  

Durante o período do puerpério, a mãe passa a viver no piloto-automático, se priva de seus desejos, se perde num turbilhão de emoções, muitas vezes não possui o suporte de uma rede de apoio e ainda se sente culpada. 

A figura materna, portanto, precisa se desapegar de imagens e ideias que se estabeleceram ao longo dos anos e ditam como devem ser, estar e como podem viver sua humanidade.  

Ser mãe tem suas alegrias, seus processos pessoais e íntimos, há aquisição de qualidades e novas habilidades pessoais que as habilitam a lidarem com os estresses da vida de outra forma.  

Para uma maternidade com saúde mental, é primordial saber estabelecer seus limites e contornos, definir até onde vai o seu papel e quais as atribuições que estão esvaziadas de agir e de cuidar, para que não adoeça.  

É relevante difundir também, que desde que tenham apoio, as mães podem se dedicar à sua saúde mental com ações simples de autocuidado que promovam o bem-estar, que são esquecidas e preteridas dentre as muitas atividades diárias que executam e desenvolver estratégias, para que adotem hábitos simples em sua rotina como ler um livro, assistir a uma série ou filme, ouvir as músicas que gostam ou ainda, praticar meditação.  

Para que as mães possam cuidar bem de seus filhos e não adoecerem, precisam antes e primordialmente, cuidarem de si, pois não é possível dar o que não possuem!