Antifragilidade – “fazendo diferente para fazer a diferença”
Como você reage diante de alguma situação inesperada e imprevisível?
Sua atitude é de desespero e confusão, ou você para, respira e tenta perceber o que aquilo pode estar querendo te mostrar ou trazer de novo?
A conduta adotada é o que determina se você é uma pessoa frágil ou antifrágil.
O cenário que estamos vivendo nos exige uma postura de antifragilidade, a nossa capacidade de não apenas resistir a momentos de crises, mas também de evoluir e crescer nesse caos, utilizando essas circunstâncias como combustível para esse desenvolvimento.
As profissionais Fátima Macedo, Psicóloga, Especialista em Psicologia da Saúde Ocupacional e Terapia Cognitivo Comportamental, e CEO da Mental Clean, e Mônica Silvestre Santos, Especialista na Transformação de pessoas, se encontraram recentemente em uma Live, no Instagram do Grupo Mulheres do Brasil, e discorreram sobre o tema: “Como desenvolver a antifragilidade no novo contexto”.
O resultado desse bate-papo leve, informal e didático, você confere abaixo:
Fátima Macedo: Como podemos explicar a antifragilidade?
Mônica Silvestre: Todos nós, em algum momento, vivemos uma situação em que foi preciso utilizar essa postura de antifragilidade. Até um tempo atrás o termo da moda era ‘resiliência’, você precisava ser forte, resistente, enfrentar uma pressão e permanecer intacto. Em 2012, o libanês Nassim Taleb, analista de riscos, pesquisou sobre os temas frágeis, robustos e antifrágeis. Foi aí que o termo estourou e se conectou com o que estamos vivendo. Ele usou essa analogia para explicar que é possível um sistema crescer na adversidade, e isso se encaixou no contexto que estamos vivendo, neste mundo que é volátil, incerto, complexo, imprevisível. E, ao contrário de resiliência, que é permanecer firme e intacto, é antifragilidade é você crescer e se beneficiar com as adversidades.
Fátima: Venho trabalhando em vários grupos diferentes em empresas, e, em um deles falamos sobre Inteligência Emocional, que são habilidades muito demandadas atualmente para lidar com todo esse cenário. E a antifragilidade está muito dentro desse conceito. E como fica isso diante da nossa necessidade humana de controle, dessa coisa tão estruturada e linear de prever tudo, frente a antifragilidade?
Mônica: O que é um sistema frágil? É aquele que você tem que ter cuidado, ou seja, qualquer movimento ele se quebra, machuca, se rompe, ele se perde com a adversidade, com a pressão e o caos. Então, quando você nega o que você – nós somos seres complexos, não somos seres simples, previsíveis, então, quando aceitamos a nossa complexidade, estamos conseguindo entrar numa outra postura. Então, “eu não vou permitir que entrar nesse campo de dor porque eu consigo enxergar em mim toda essa complexidade, tudo aquilo que está vivo, e eu escolho fazer algo bom”.
Fátima: Ou seja, eu não reajo! Eu ‘ajo’ sobre aquilo, eu tenho uma ação a partir de uma escolha, e não uma reação, porque estamos em mundo muito reativo. Quando as pessoas não têm tantos recursos internos, não desenvolveram a Inteligência Emocional, elas se tornam muito reativas, porque não conseguem fazer essa percepção.
Mônica: E é essa a fragilidade, é entrar nesse lugar de reação. É querer ter controle sobre o outro. Ou ainda não querer mostrar a sua vulnerabilidade. Vamos pegar o exemplo da natureza, o coco: ele tem uma casca dura por fora, porque ele é muito mole por dentro. A pessoa frágil cria uma ‘persona’. Já o antifrágil assume sua vulnerabilidade, seu lugar de complexidade, de incerteza, de paradoxo, que têm coisas que vão doer, só que ele escolhe fazer algo bom com aquele sofrimento, com aquela dor, ao contrário do frágil que vai para outro lugar.
Fátima: Dentro da psicologia da Saúde Ocupacional, quando vamos trabalhar com a Saúde Mental dentro das empresas, usamos muito o conceito ‘lócus de controle’, que é o lugar de controle que eu assumo. Se essa posição é muito externa, eu reajo muito, porque meu termômetro também é muito externo. É importante fazer esse paralelo, pois isso mostra uma situação de fragilidade, então, eu preciso ficar o tempo inteiro ficar medindo a temperatura desse ambiente para saber como vou reagir, estou sempre em estado de alerta.
Mônica: E isso, além de drenar toda a tua energia, pois você tem que controlar o incontrolável, essa situação aciona a área do medo e a pessoa fica em estado de profundo sofrimento – ou ela fere ou se sente ferida. Ou ela entre em um lugar muito comum de pessoas frágeis que é o de vítima, ou no papel de algoz, porque ela não consegue lidar com a própria humanidade, ela não consegue olhar para as suas próprias feridas. E o que acontece quando estamos em uma relação? Estar na relação é um risco! Porque o outro vai sinalizar aquele ponto de dor que é difícil olhar. Então, a pessoa frágil se desconecta, ela prefere ir embora.
Fátima: Ou ela nega, o tempo todo…
Mônica: É um mecanismo de defesa, nega, transfere, vitimiza, agride. Mas, quando ela entra nesse lugar, vai encontrar o mesmo modelo lá na frente.
Fátima: Eu costumo dizer que aquilo que a gente não resolve, a vida fica trazendo de volta e aumentando o tamanho da complexidade. A vida te força a sair daquele lugar.
Mônica: Acredito que a chave é olharmos para isso com consciência para enxergarmos esses papéis, aí conseguimos sair dessa armadilha mental. Pois, lá no fundo existe uma crença de que “isso não tem nada a ver comigo”, ou, “eu não dou conta”, e isso vai atrair o mesmo modelo de pessoa que vai cutucar esses pontos cegos.
Fátima: Sobre esse conceito de atrair, é interessante observar o quanto nós não nos damos conta de que é o nosso próprio comportamento que nos ‘leva para’. Muita gente faz algum comentário do tipo: “nossa, eu só atraio pessoas negativas”, “relacionamentos ruins”, enfim. Sabe igual a desenhos em que há o cheiro da comida? A pessoa é levada para aquela situação, se encantando em um primeiro momento, entrando em um autoengano e depois se revoltando.
Mônica: Estamos vivendo em um contexto em que tudo foi potencializado. Está tudo mais transparente, as pessoas estão mais sensíveis, precisamos desenvolver essa postura antifrágil sem cair nas armadilhas. Pegando o exemplo da nossa biologia, temos uma musculatura que é frágil e que só vai se desenvolver se eu pegar peso, se eu estressar o músculo e se eu entrar nesse lugar de adversidade. Mas, com uma postura interna de desenvolvimento, de aprendizagem, de superação. Por isso é a hora de aproveitar as adversidades e o caos para fazer o salto e nos fortalecermos.
Fátima: Como não repetir padrões? Quando eu estou pela primeira vez com algum grupo, eu busco conhecer o que ele está vivenciando. E é interessante perceber como isso é visto por quem pediu para você ir lá fazer o trabalho, ou seja, as pessoas esperam que a gente já leve pronta uma solução. Pois, entrar em contato com a fragilidade é “ruim”! Estou dizendo isso por algo que eu acabei de presenciar, em um grupo de gestores. Por que as pessoas têm tanta dificuldade de olhar para as suas fragilidades, por que parece ser tão perigoso?
Mônica: Acho que o primeiro ponto que a gente entra tem a questão da própria mentalidade. Existem crenças que já foram construídas e fortalecidas desse lugar de que “é preciso ter comando, ter controle”, e isso é uma crença limitante. E quando você se coloca nessa mentalidade de controle, numa relação mais linear, você simplesmente entra em um lugar que você não dá conta. É assumir uma mentalidade sistêmica, é perceber que somos seres complexos, que não temos receitas e soluções de nada. O processo é “co-construído”. Eu primeiro preciso aceitar, para depois transformar. Antigamente, havia essas crenças de que chorar ou pedir ajuda eram sinais de fraqueza.
Fátima: Antigamente? Ainda é, no mundo corporativo, principalmente, e para algumas pessoas que precisam dessa couraça tão grande!
Mônica: Ao mesmo tempo em que temos um poder criativo indescritível, temos também a fragilidade e a vulnerabilidade. Então, aceitar esses paradoxos é o primeiro ponto importante. O segundo é estar aberto. Porque se a pessoa não estiver com a mente e o coração abertos, ela não vai conseguir aceitar o feedback, a crítica, o que precisa ser melhorado e fortalecido.
Fátima: Como podemos ajudar aquelas pessoas que nem consideram a possibilidade de transformação, que acham que está tudo bem?
Mônica: Aí vem o papel do sofrimento, ele é um indicador que leva as pessoas para buscarem ajuda. Só que a gente pode ir pelo amor ou pela dor. A maior parte das pessoas vai procurar desenvolver uma musculatura mais antifrágil a partir de uma dor. Por outro lado, tenho visto cada vez mais pessoas que estão buscando o autoconhecimento.
Fátima: Como desenvolvemos a nossa antifragilidade?
Monica: Primeiro – se colocar nesse lugar de não saber, de entender que estamos lidando com sistemas complexos, com o caos, me permitir entrar no sofrimento.
Fátima: E como eu não me perco nisso?
Mônica: Eu tomo ciência e escolho, tomo uma decisão interna de fazer algo bom com isso. Viver o presente é um dos aspectos mais importantes de uma postura antifrágil. Se eu não estou conectada com o meu presente, se eu não tenho uma mente e um coração abertos, uma nova mentalidade para entender que tudo é sistêmico e que não exercemos controle de nada, aí dificulta.
Fátima: Mas, como eu dou o primeiro passo se eu não tiver todo esse entendimento?
Mônica: É um pequeno passo. A filosofia da antifragilidade envolve pequenas coisas que você faz e se arrisca. Incomodou, travou? O que você pode fazer para sair da sua zona de conforto?
Fátima: Isso aproxima muito da possibilidade e isso é tão especial! As pessoas perceberem que podem começar com pequenas atitudes. Calma!
Mônica: A gente só vai conseguir entrar de fato nesse lugar de antifragilidade quando tivermos confiança. Eu preciso ter um campo emocional seguro para eu poder abrir a minha vulnerabilidade, para eu poder desenvolver esse lugar de erro. Porque senão a pessoa não vai se permitir errar, ela não vai admitir que ficou magoada, que ela está em conflito. Por isso, nós precisamos criar redes de confiança e a gente só cria confiança na relação! “Ora eu vou te ferir, ora você vai me ferir, ora a gente vai se desconectar”. Mas, ser antifrágil é a gente se reconectar de novo. Aprender com o que aconteceu, com a dor e o sofrimento.
Fátima: E entender que não é linear!
Mônica: E uma outra coisa que estamos precisando é de compaixão! Primeiro de autocompaixão, para termos um diálogo mais amoroso com a gente mesmo, reconhecer que “eu não dou conta de carregar esse peso”. Tudo bem, pega um peso menor. O que você pode fazer então? Pequenos passos. Depois, ter compaixão com o outro e fazer um convite para que possamos nos encontrar nesse caminho, nesse lugar que é muito mais de empatia.
E esse é maior exercício do amor, porque quando você verdadeiramente ama, você desapega, você resiste, persiste, insiste, cuida do outro. Esse é o grande desafio para o qual estamos sendo convidados.
Fátima: E é assim que vamos parando de repetir padrões, olhando com amorosidade para o nosso sistema.
Mônica: Estamos em um momento em que a gente precisa fazer diferente para fazer diferença! E isso começa com cada um de nós.