Entrevista com Fátima Macedo: Saúde Emocional – um autocuidado para a vida
Fátima Macedo representando a Mental Clean, na HSM Expo19
A pandemia da Covid-19 fez com que a Saúde Mental se tornasse a terceira maior grande pauta dentro das empresas, ao lado das questões de prevenção e economia, que ocupam o primeiro e segundo lugar, respectivamente, no ranking de preocupações. Segundo a CEO da Mental Clean, Fátima Macedo, isso ocorreu porque as empresas perceberam que cuidar da saúde mental de seus funcionários pode ajudá-los a lidar melhor com esse momento e também contribuir para resgatar e manter a estabilidade emocional daqueles que já começam a apresentar dificuldades.
No âmbito pessoal, as pessoas enfrentam medos, incertezas, relacionamentos conflitantes, reorganização da casa que de repente virou home office.
Nesta entrevista, a psicóloga, especialista em Psicologia da Saúde Ocupacional e Terapia Cognitivo Comportamental, explica, de forma didática, como esse cenário caótico tem afetado a vida e a saúde mental das pessoas e o que fazer com tudo isso. Para ela, o momento traz palavras de ordem prioritárias como adaptabilidade, flexibilidade e aprendizado.
Cheia de esperança, essa paulistana empreendedora, otimista, solidária, mãe da Lívia, e que está sempre em busca de soluções e desenvolvimento, acredita que quando tudo isso passar, “sairemos mais fortes e melhores”.
Por que que a pandemia tem impactado principalmente na nossa Saúde Emocional?
Se voltarmos um pouco no tempo, lá no começo dessa história, vamos nos lembrar como muitas pessoas ficaram se perguntando “o que está acontecendo?” Tinha gente morrendo em outros países e o número de infectados aumentando. Depois essa realidade foi se aproximando, por meio, não só de notícias da TV, mas, de quem tinha parentes que moravam fora, empresas de diversos lugares.
Eu não tenho dúvida de que, lá atrás, muita gente se preocupou, mas também minimizou essa questão achando que esse problema não iria chegar, ou não era tão sério assim – estou falando da época do Carnaval. De lá pra cá, conforme o tempo foi passando, a coisa foi chegando perto, e isso foi um choque. E as pessoas foram se dando conta de que tinham que prestar mais atenção. E o que veio acompanhado disso? O medo!
Pois a partir deste momento as pessoas tiveram que ficar em casa, as empresas colocaram seus funcionários em home office, e começou o medo de se contaminar. A mudança foi muito grande, e por mais que ela viesse se anunciando, foi brusca.
E de repente, tudo virou do avesso…
Por exemplo, de uma hora para outra, grandes corporações tiveram que colocar muitos funcionários trabalhando em casa. Isso demandou demais de todo mundo, tanto das áreas de RH, como das áreas de Saúde, dos gestores e do próprio funcionário. Todo mundo ficou muito impactado.
As pessoas que já tinham um histórico de ansiedade e de stress tiveram esse quadro agravado. Nunca houve tantas crises de pânico, de ansiedade, de tristeza, como vem ocorrendo agora. Temos a primeira questão desse choque inicial que eu citei acima, um susto muito grande; depois, a necessidade de ter que se adaptar ao home office, as pessoas vivenciando todos os seus papeis sociais dentro das suas casas. Tudo isso, num primeiro momento, demandou muito das pessoas e das empresas.
Como as empresas sentiram esse choque?
Para as empresas que estavam indo bem, ótimo, pois mesmo sobrecarregadas ainda existe uma motivação e uma sensação de segurança maior. Já os pequenos empreendedores, muitos autônomos, começaram a viver um grande medo da recessão, de serem mandados embora, de verem seus contratos serem cancelados. Há também pessoas vivenciado situações em suas casas aonde um dos membros perdeu o emprego e isso também tem um impacto muito grande na renda familiar.
Todo esse quadro foi impactando na vida das pessoas e na saúde mental, ansiedade e depressão aumentando, aumentou inclusive o consumo de bebida alcoólica. Nós temos aplicado pesquisas nas empresas e os funcionários relatam – um percentual que varia de 16% a 30% – que frequentemente têm feito uso de bebida alcoólica.
E como enfrentar essa realidade?
Quem tem uma resiliência maior, lida melhor com crise e já está mais habituado, consegue ir levando, não que não seja impactado. Mas e quem não tem? Penso nas mães de bebês, de crianças de 1 ano e pouco e aquelas que acabaram de sair da licença maternidade. Como você explica para essas crianças que ‘a mamãe está em casa’, mas tem que trabalhar e dar conta de todas as outras atividades. No começo as pessoas romancearam muito a história do home office: ‘ai que delícia, agora tenho tempo para ler, assistir vídeos, encontro com amigos, etc’.
Depois, pessoas influenciadoras nas mídias sociais começaram a mostrar a realidade, que não é tão fácil e tranquilo assim: a casa está suja, a pia está cheia de louça, eu não consigo entregar tudo o que eu preciso, as crianças não param de chorar, e por aí vai. As pessoas começaram a colocar como verdadeiramente elas estavam vivendo e que não era tão fácil, nem simples ou bonito como parecia.
Como as empresas estão abordando o assunto?
Muitas empresas já vinham olhando para esse tema, outras ainda tinham dúvidas e medo, inclusive, de tratar a saúde mental no ambiente de trabalho. A pandemia praticamente eliminou isso, as empresas começaram muito rapidamente a entender a importância de se falar sobre saúde mental, de levar o cuidado de saúde mental para seus funcionários. Então, tivemos uma enxurrada de solicitações para atender às empresas. A Covid-19 antecipou a pauta dentro das empresas, para algumas em até cinco anos. Empresas que nem pensavam em abordar o assunto começaram a implantar projetos, a fazer rodas de conversas on-line, a oferecer tratamentos aos seus funcionários.
Quais segmentos e portes de empresas?
Estamos implantando projetos em empresas de 50 até 33 mil funcionários, de todos os portes e segmentos de negócios, de serviços a telefonia, área da saúde, os mais diversos. E percebi também que os presidentes das empresas estão se envolvendo mais com o tema, o que antes se restringia às gerências de RH e Saúde. Em uma empresa de médio porte, presenciamos o dono vindo falar com a gente, participando das atividades, das reuniões e discussões das ações.
Qual o termômetro que indica que a nossa Saúde Mental não anda bem?
Temos alguns marcadores importantes. Todos nós temos nosso jeito de ser, que é traduzido pelo nosso humor, a maneira como nos relacionamos com outras pessoas, nossos hábitos. Se isso começa a ter uma mudança, por exemplo: começo a não dormir muito bem, meu padrão alimentar começa a se modificar, aumento o consumo de bebida alcoólica, vou ficando mais irritada, tenho menos paciência, estou mais triste, tenho vontade de ficar mais isolada… tudo isso vai ‘contando’ que essa saúde mental começa a pedir uma atenção.
O que fazer? Como pedir ajuda?
Esse é um grande desafio, pois as pessoas ainda demoram muito para buscar ajuda quando o assunto é o adoecimento mental. Isso ocorre por vários motivos: às vezes a própria pessoa não consegue identificar o que está acontecendo com ela e a autopercepção dela é baixa, embora os outros estejam sinalizando. Quando a pessoa tem uma boa percepção, ela ainda tem que enfrentar a questão do preconceito dela mesma e do outro, pois geralmente quando ela diz “não estou bem, não estou legal”, o outro sugere “vai assistir um filme, uma comédia”, “vai comer tal coisa”, “vamos fazer uma live”, como se isso fosse resolver.
Se a gente pudesse sair, a outra pessoa falaria: “vamos fazer umas comprinhas no shopping”. O ideal é que logo que elas percebam alguns desses sinais que eu mencionei, procurem conversar com algum profissional. Há muitos profissionais oferecendo atendimento on-line. Procurem ler alguma coisa a respeito – no nosso site tem muita informação boa com dicas que podem ajudar.
Você pode dar algumas dicas para quem quer alcançar equilíbrio emocional?
Eu gosto muito de um projeto que desenvolvemos que são os Primeiros Socorros para a Mente. Todo mundo tem sua ‘caixinha de primeiros socorros emocionais’, que é aquilo que você sabe que te faz bem. O que você faz que te proporciona bem-estar? Obviamente que para cada pessoa tem uma coisa diferente. Mas, temos algumas coisas básicas que podem ajudar, a primeira delas é o autoconhecimento. Quanto mais você se conhecer, quanto mais você souber qual é o seu “calo que dói”, mais rápido você consegue agir.
É a autopercepção que eu mencionei acima. Perceber que você não está no seu ‘jeitão de ser quem você é’. Cuidar do sono também é fundamental nesse processo, não ir dormir muito tarde; não ficar muito conectado em eletrônicos e tv, se for assistir filmes e séries à noite, veja temas leves que façam relaxar. Alimentação é muito importante, eu tenho orientado que as pessoas, mesmo em casa, vistam roupas de trabalho, pois assim podem monitorar se ainda estão servindo! Fazer meditação também é ótimo e há vários aplicativos disponíveis que são muito bons. Ouvir músicas mais relaxantes pode ajudar bastante. Fazer uma boa psicoterapia e conversar com um profissional, não só pelos sintomas, mas para autoconhecimento.
Tomar bastante cuidado com as horas de trabalho, prestar atenção se você está ficando muito tempo na frente do computador, respeitar as pausas, lembrar de beber água e que você tem uma casa para olhar. Fazer boas negociações com você mesmo e com as pessoas a sua volta, muita conversa para quem mora com outras pessoas, dividir as responsabilidades da casa. Muitas vezes, no caso da mulher, ela pode correr o risco de querer achar que vai dar conta, vestir a capa da super heroína, e não vai conseguir. É uma excelente oportunidade para todo mundo aprender a cuidar da casa, organizar, conhecer suas necessidades. A casa é um organismo vivo, ela está ali e exige a sua atenção, tem cachorro, planta, um monte de coisa que requer cuidado.
Como administrar os conflitos de relacionamentos que podem surgir na quarentena?
Colocando luz naquilo que não está bacana, nas tensões, possibilitando espaços de fala, propondo conversas a respeito do que está acontecendo, explicando como você está. As pessoas têm muita dificuldade de conversar, não somos educados para isso, não é à toa que existem cursos de comunicação assertiva e comunicação não violenta.
Olha isso, a gente precisa aprender a se comunicar de maneira não violenta, a que ponto chegamos! É porque não temos o hábito de falar sobre o que está acontecendo de uma forma mais tranquila, sem acusações, dizer como eu estou me sentindo, dizer como tal situação me causa desconforto, me preocupa, não me deixa bem. Então, a comunicação e a conversa nunca foram tão importantes e fundamentais nesse período e com todos, mesmo com as crianças, explicando bastante o que está acontecendo e sinalizando para o outro.
Se você está vendo que o outro não está bem e isso está impactando em você, é preciso entender o que está acontecendo. É necessário também respeitar os limites de cada um, quais são os acordos possíveis de serem feitos e cumpridos? E para fechar, cuidado com julgamentos e cobranças.
O que as empresas podem fazer nesse contexto?
Existem algumas coisas que as empresas podem fazer e ajuda bastante: oferecer apoio psicológico é um dos primeiros pontos, possibilitar falar sobre o tema; ter estratégias de comunicação, de promoção da saúde, levando esse conforto emocional e bem-estar. Temos desenvolvido essas ações para as empresas, assim como vídeos, rodas de conversa, atendimento psicológico aos colaboradores, orientação às lideranças, canais de apoio psicossocial, acompanhamento, apoio e gerenciamento dos casos das pessoas que não estão bem.
As empresas podem e devem ter um papel mais ativo neste cenário e não só esperar que o funcionário busque ajuda. Todas essas ações são importantes, assim como ajudar os funcionários a buscar ajuda, ficar mais próximo de quem não está bem.
Como o funcionário se sente quando tem esse apoio?
Ele se sente cuidado, amparado, valorizado, reconhecido como uma peça importante na empresa e que não é só ele que tem que dar, mas ele também recebe. As pessoas se sentem muito gratas quando a empresa cuida delas de uma forma genuína, ou seja, está cuidando porque se importa, porque quer ver o funcionário bem.
Que mensagem de esperança você pode deixar?
É óbvio que é um momento muito difícil, mas eu não tenho dúvida de que ele é uma grande oportunidade também. Oportunidade de olharmos mais para nós mesmos, nos desenvolvermos, por mais difícil que esteja, de nos conectarmos mais com a gratidão – isso é uma coisa que ajuda muito e precisa estar lá na caixinha de primeiros socorros emocionais. A gratidão faz com que nós olhemos para o que temos, para aquilo de bom que a vida oferece.
Nós temos muitos recursos pessoais e temos uma capacidade de resiliência, de lidarmos com coisas maiores do que imaginamos. Estamos sendo muito testados nisso. Quanto mais acolhermos nossos sentimentos, quanto mais nos respeitarmos e, também ao outro, quanto mais cuidarmos da nossa saúde emocional, mais impactará na forma de lidarmos com o que está acontecendo e como sairemos disso.
É o momento também de oferecermos e de pedirmos ajuda quando estamos precisando, seja quais circunstâncias forem: emocional, financeira ou saúde. Sabemos que vai passar, só não sabemos quando. É um exercício de resiliência, de gratidão, de autodesenvolvimento, é nos conectarmos com as possibilidades, para que possamos sair disso tudo da melhor forma possível.