Luto – Por que é importante vivenciar?
“Quando falamos da morte, damos atenção à nossa vida. A morte é a principal porta de entrada para a vida. Quando você olha para a sua morte você sabe que a sua vida tem valor”, disse recentemente em uma entrevista a médica Dra. Ana Cláudia Quintana Arantes, autora do livro A morte é um dia que vale a pena viver.
Se falar sobre a intermitência da vida não fosse um grande tabu em nossa sociedade, talvez a experiência do luto pudesse se tornar algo um pouco mais leve e até natural.
Nesses tempos de pandemia, em que muitos estão enterrando seus entes queridos sem as honras e os rituais de outrora, como curar nossas dores?
Afinal, em algum momento de nossas vidas paramos para pensar o que seria um luto? Certamente não, pois nunca estamos preparados para esse assunto. Nos preparamos para o curso ‘natural’ da vida como estudar, planejar uma carreira profissional, relacionamentos, e, nesse plano racional, jamais encontraríamos espaço para pensar em morte.
“Por mais que todas as teorias definam o luto, não há como explicá-lo. O sofrimento pela ausência de alguém querido que se foi é algo que temos que respeitar e tem o tempo certo para cada pessoa”, diz Felipe Sitta da Silva, Psicólogo e especialista da Mental Clean.
Ansiedade, tristeza profunda, raiva, falta de ar são alguns dos sintomas desencadeados pelo luto e que devem ser e acolhidos com empatia e atenção por quem está ao lado da pessoa enlutada.
Nesta entrevista, o Psicólogo Felipe Sitta da Silva detalha os aspectos que envolvem o processo do luto e explica de que forma podemos nos preparar para ajudar alguém que esteja passando por essa situação.
Como podemos definir o luto?
O luto é um processo natural, caracterizado pelo rompimento abrupto de um vínculo. Uma reação esperada e normal a alguma perda, geralmente relacionada à morte, também pode ocorrer com a separação de grandes amigos, com o rompimento de relações amorosas e na privação de contato social.
Quais os principais lutos que estamos vivendo?
Qualquer conexão que se mantém e possui uma importante função, quando é quebrada, pode levar o indivíduo a entrar neste processo. Neste momento de pandemia, podemos pensar em diversos tipos de luto, como ausência de contato social, risco de demissão, perda ou redução do salário, quebra de rotina, morte de pessoas próximas. Cada um deles nos impactando de alguma forma.
Podemos descrever alguns sintomas?
Os sintomas relacionados ao luto se dividem em quatro categorias: emocionais, comportamentais, cognitivas e físicas. E, para cada uma dessas categorias, há sentimentos distintos. Por exemplo, no emocional, a pessoa que vive o luto pode sentir uma tristeza profunda, culpa, solidão ou ansiedade. No âmbito comportamental, ela pode chorar com frequência, ter dificuldade de concentração, apegar-se a objetos de quem faleceu. Confusão mental, alucinações, descrença e preocupações também podem se manifestar para quem está vivendo o luto, e dizem respeito aos sintomas cognitivos. E, por último, a somatização do luto ocorre com falta de ar, sensibilidade a ruídos e falta de energia.
Quais as formas de vivenciar esse luto?
Há um processo denominado de fases do luto, descritas pela Psiquiatra Elisabeth Kübler-Ross, que são os cinco estágios pelo qual a pessoa que sofre a perda pode passar. Porém, nem todas as pessoas têm a mesma reação e pode haver uma alteração cíclica entre as quatro primeiras fases, não respeitando necessariamente a ordem com que foram observadas.
Negação – é o primeiro estágio, quando recebemos a notícia de que uma pessoa querida faleceu, temos a reação de negar o fato. Passamos a buscar pela pessoa mesmo que não exista retorno, na falsa esperança de que tudo volte à normalidade. Isso também vale, por exemplo, para o furto de um carro. Provavelmente continuaremos a procurá-lo por alguns momentos, ‘negando’ que ele não esteja no local onde foi estacionado.
Raiva – junto às buscas incessantes pelo que foi perdido, é comum que nossos comportamentos sejam acompanhados de raiva, com alterações na forma e intensidade de como nos comportamos. É o momento em que nos perguntamos: “como isso pôde acontecer comigo”? nos sentimos impotentes e injustiçados.
Negociação – nesta fase, a raiva e a negação são substituídas por falas que buscam negociar o ocorrido, oferecendo moedas de troca em frases como: “se eu for uma pessoa boa, isso vai mudar”; “basta que eu feche os olhos e durma, amanhã verei que foi apenas um sonho”; “talvez eu possa fazer algo e isso vai passar”.
É nesse momento que se apresenta a maior frequência de oscilação de comportamentos, períodos em que aumentamos a frequência com que buscamos pela pessoa falecida e outros mais longos sem nenhuma reação.
Essa fase de negociação, assim como a negação, é muito comum em situações de luto pelo término de um relacionamento, em que um dos parceiros não aceita a separação e passa a questionar o que poderia ter feito de diferente para que isso não tivesse acontecido.
Depressão – nesta fase, podem aflorar sintomas de depressão, em que o enlutado é rodeado por pensamentos de tristeza e profundo desânimo. A falta da pessoa querida deixa um vazio que o faz perceber que o mundo não tem mais sentido. A ajuda profissional neste momento, por meio da psicoterapia, é de fundamental importância.
Aceitação – nesse estágio, espera-se que as respostas de negação, raiva, negociação e depressão não mais ocorram e abram espaço para falas de aceitação do fato, eliminando as possiblidades de alteração do passado e o movimento cíclico de raiva e culpa. É na aceitação que passamos a nos comportar em direção ao presente e ao futuro, com resiliência e até mesmo motivados. Passamos a enxergar o luto como um processo que nos coloca em contato com nossa essência, é realmente quando temos a certeza de que vai ficar tudo bem.
Como podemos acolher quem está vivenciando o luto?
É necessário empatia para compreender o processo, o tempo e a intensidade com que cada pessoa vivencia o luto. Algumas sentem-se preparadas para, por exemplo, doar as roupas do ente querido dentro de algumas semanas. Já outras mantêm peças guardadas por toda a vida. Não faça comentários ou interpretações que possam aumentar o sofrimento. Tentar acelerar ou frear a dor que alguém sente pode ser desrespeitoso.
E por fim, por que é importante vivenciar o luto?
Todas as experiências de luto são carregadas de profunda subjetividade. Experienciar o luto significa elaborar a dor e o sofrimento, ter tempo para ressignificar a sua própria existência e estabelecer novas conexões. Viver bem o luto não é sinônimo de esquecimento, vive-se bem quando a memória do que foi perdido não é mais um vetor de intenso sofrimento.