Suicídio: ninguém percebeu nada?
Como o sofrimento do trabalhador só é notado quando já é tarde demais
Fátima Macedo
Outro dia, num dos cursos que eu coordeno na área de saúde mental do trabalhador, diante do relato de um caso de assédio moral onde o desfecho foi o suicídio, uma aluna perguntou: “O médico do trabalho não percebeu o que estava acontecendo? Ninguém da área de saúde ou RH? ”.
A mesma pergunta foi feita durante o último feriado, num Seminário em Belo Horizonte sobre Saúde Mental no Trabalho, realizado para Médicos do Trabalho.
Na minha opinião?
Talvez. Mas não o suficiente para intervir antes que esse trabalhador se matasse.
Essa pergunta me fez aprofundar minhas reflexões a respeito do que acontece em relação ao fato de no ambiente de trabalho, poucas pessoas ou mesmo ninguém perceber o real tamanho do sofrimento psíquico em que alguns trabalhadores se encontram.
Quem sofre, em geral, busca ajuda. Às vezes de forma muito sutil, quase um pedido silencioso, mas outras vezes abertamente. Conta o que está acontecendo. Demonstra. Fala repetidas vezes, busca apoio nas pessoas próximas. O problema é que a grande maioria das pessoas que está em volta não quer ver, não quer ouvir, não quer falar a respeito daquele sofrimento. Não por descaso ou maldade, mas pela grande dificuldade de lidar com o sofrimento do outro. As pessoas, envolvidas ou não com a situação, minimizam o problema. Evitam falar, mudam de assunto, desconversam.
Falar de sofrimento é falar da fragilidade humana, tema sempre evitado nas rodas de conversa, assim como a finitude. Estes sim, são temas polêmicos na humanidade. Polêmicos e incômodos. Não é a política, nem o futebol ou a religião que são polêmicos na atualidade, o sofrimento sim. Falar de sofrimento dói. Dói porque não tem como não se identificar não tem como não olhar para as próprias questões. Faça você uma experiência: chegue numa roda de amigos e fale de alguma coisa que está te incomodando, fale de como está se sentindo e observe o que acontece.
E é por isso que o índice de doenças mentais está tão alarmante. É difícil falar do assunto. E faz todo o sentido o Face book ser um “celeiro” de felicidade.
Ser humano não encara o sofrimento. Salvo as pessoas que gostam de sofrer e, antes que alguém ache estranho, sim, tem gente que gosta, mas a maioria das pessoas foge dele como o diabo foge da cruz.
Não é à toa que uma das coisas mais comuns são os grupinhos contando piadas em velório, lembrando de situações engraçadas em relação ao morto. Fogem do sofrimento, evitam falar da perda e da dor. Evitam falar do que verdadeiramente estão sentindo com aquela morte.
No ambiente de trabalho não é diferente. Falar de sofrimento que pode levar ao suicídio é também falar de adoecimento emocional e grande parte das empresas não sabe o que fazer a respeito. O gestor, o colega de trabalho, o RH e até o Médico do Trabalho e sua equipe de saúde.
Quanto menos acolhimento encontra, mais esse trabalhador em sofrimento vai se recolhendo, deixando de falar ou de buscar ajuda. Se isola, muda seus hábitos, vai aos poucos deixando de ser quem é. Adoece emocionalmente podendo chegar ao ponto de cometer suicídio, sem que ninguém tenha percebido “nada”!
Ambientes de trabalho adoecidos apresentam grande dificuldade de olhar a dor de seus funcionários. Estão focados demais no resultado, na entrega a qualquer custo.
Por outro lado, existem empresas que promovem a cultura do cuidado genuíno, humanizado. São as que fazem a diferença em termos de ajuda e com certeza contribuem para que as estatísticas não sejam ainda piores. Capacitam o RH, a Medicina Ocupacional, preparam e estimulam os gestores a terem um olhar cuidadoso para essas questões, onde os mesmos são capacitados a serem empáticos, com escuta ativa e fala cuidadosa diante da dor do outro.
E é nisso que eu acredito! Não passamos por esta vida sem dor. Por isso, o mundo corporativo também precisa aprender a lidar com ela. Quanto mais acolher “a dor” de seus funcionários menos adoecimento terá, promovendo assim um ambiente de trabalho mais humanizado e um pouco mais saudável.
E, pra fechar, vamos relembrar o que a Organização Mundial da Saúde (OMS) tem alertado em relação ao suicídio: 9 em cada 10 poderiam ser evitados caso a pessoa recebesse auxílio.